Eu confesso que nunca vi Nelson Rodrigues no teatro, o lugar para onde suas histórias eram originalmente criadas. Mas vi muita coisa dele no cinema. Houve um tempo em que muitos filmes eram produzidos usando suas histórias. Alguns deles, como Toda Nudez será castigada, Bonitinha mas Ordinária, Engraçadinha, e A Dama da Lotação levavam multidões aos cinemas. Mesmo na TV, a série A Vida como ela é, também fez o universo de Nelson ficar conhecido por um público ainda maior. Só que fazia tempo que a gente não via um filme baseado numa história de Nelson chegando aos cinemas. Nessa semana, entretanto, chega mais um. O Beijo no Asfalto, de Murilo Benício, fazendo sua estreia como diretor. É uma visão diferente de tudo que você já viu no cinema sobre Nelson. E, por isso mesmo, obrigatório.
Na história, Lázaro Ramos vive Arandir, um homem que, sem pensar, atende ao pedido de um beijo na boca feito por outro homem prestes a morrer ao ser atropelado. Tal gesto banal vira uma matéria sensacionalista de Amado (Otávio Müller), um repórter que cria uma fake News, e passa a explorar o beijo entre dois homens para vender mais jornal. A versão criada pelo jornalista incita a polícia a investigar uma suposta ligação entre Arandir e o morto. Isso inclusive cria dúvidas na cabeça de Selminha (Débora Falabella), mulher de Arandir e filha de Aprígio (Stênio Garcia), que, misteriosamente, insiste na ideia de que presenciou o beijo, quando, na verdade, estava de costas.
O elenco e a forma
O elenco, que, segundo Murilo, é composto por grandes amigos, rodou o filme em 12 dias. E ainda em preto e branco (sem preconceitos, por favor!) Estão lá, Fernanda Montenegro, Débora Falabella, Lázaro Ramos, Stênio Garcia, Otávio Müller e Augusto Madeira. O diferencial do filme é que ele acompanha paralelamente à história, cenas de bastidores. O público consegue ver o elenco estudando o roteiro, tentando entender seus personagens. O caso de Fernanda é ainda mais interessante. Afinal, a peça foi encomendada por ela ao próprio Nelson nos anos 60 para sua companhia de teatro. Ela foi a criadora da personagem Selminha, e agora assume o papel da fofoqueira de plantão, Dona Matilde.
O filme também é muito diferente da versão de Bruno Barreto, de 1980, com Tarcísio Meira. No filme atual, como diretor, produtor e roteirista, Murilo faz uma homenagem a Nelson, apresentando sua história talvez mais atual. Afinal, num mundo povoado de fake news e corrupção, o que acontece com Arandir e aqueles que o cercam, é algo que poderia muito bem estar nos trending topics de hoje em dia. Por isso, e especialmente por apresentar um belo cinema, O Beijo no Asfalto está com certeza entre os Top 3 do cinema nacional deste ano. É para ver!
A Entrevista
Eu conversei depois do filme com Murilo e com Débora Falabella sobre a aventura de quase 10 anos para fazer esse filme. Ele estreia nas seguintes cidades nessa quinta: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Fortaleza, Goiânia, São Luis, Teresina, Vitória, Aracaju, Niterói, Campinas e Juazeiro do Norte.