Minha relação com Martin Scorsese e seus filmes é estranha. Apesar de achar que na maioria suas obras são formidáveis e muito acima da média da maioria das produções de outros diretores, eu normalmente não tenho prazer em assisti-las. A exceção que confirma a regra é A Invenção de Hugo Cabret, que adoro, e acho que foi um grande injustiçado do Oscar (mais um). Mas todos os demais, de Touro Indomável a Taxi Driver, passando por Os Bons Companheiros e Os Infiltrados. Todos eles vi somente uma vez e não tenho a menor vontade de assistir novamente. Silêncio, seu último filme, que estreia nos cinemas hoje (9), não é diferente.
Esse é um filme meio maldito. Scorsese estava na pendência de fazê-lo desde os anos 90. O caso inclusive chegou aos tribunais, quando as partes chegaram a um acordo. Como se sabe, ele é um homem muito religioso, então adaptar o livro de Shusaku Endo (lançado no Brasil pela Tusquets Editores) do mesmo nome, tinha uma óbvia atração para ele. Ele narra a saga de missionários portugueses no Japão do século XVII, os padres Rodrigues e Garupe (Andrew Garfield e Adam Driver), num período em que os cristãos locais eram brutalmente oprimidos. Ao sair em busca de seu professor, o Padre Ferreira (Liam Neeson, em papel que seria inicialmente de Daniel Day Lewis), os dois acabam capturados e forçados a ver seus companheiros japoneses abrirem mão da vida pela fé, e testemunham crueldades inimagináveis que testam suas próprias crenças.
Scorsese fez um filme de duas horas e quarenta bem duro, praticamente sem música, com uma fotografia pendendo para o tom de sépia. Há momentos em que você sente até uma certa claustrofobia, uma vontade de entrar na tela e resolver de uma vez o impasse entre o padre e o japonês para acabar com o sofrimento de todos os envolvidos. É obviamente um filme “de arte’. Só que não agradou nem o público nem boa arte da crítica. Lançado na época da temporada de premiações conseguiu somente uma indicação para o Oscar – fotografia – e o prêmio de roteiro do National Board of Review. Ou seja, nem isso foi possível para ajudar na bilheteria. O filme custou 46 milhões e rendeu pouco mais de 7 milhões nos Estados Unidos. Se tornando um grande fracasso.
Mas, apesar de ser indicado para públicos restritos, o filme não é ruim, como muitos disseram, só é difícil. Você tem que estar preparado psicologicamente para ele. Tem boas atuações de todo o elenco – Adam Driver, que é naturalmente magro, perdeu 25 quilos para o filme. E por mais que eu não tenha empatia por suas histórias, Scorsese é um ótimo diretor. Ou seja, se for a sua praia, tem que ver.