Creio que nunca vi na minha vida – e olhe que acompanho Oscar desde menina – uma campanha que deu tão errado como aconteceu com Emilia Perez. No início de janeiro, após ganhar o Globo de Ouro, o filme era o grande favorito ao Oscar de filme, e vários outros prêmios. Mas a coisa reverteu totalmente que começou com uma declaração de sua atriz Karla Sofia Gascon aqui no Brasil há duas semanas, onde ela acusava pessoas que trabalhavam com Fernanda Torres a fazer uma campanha contra ela. A partir daí, foram descobertos tweets onde ela falava mal de muçulmanos, de George Floyd e até do Oscar (entre outros assuntos). E mesmo seu pedido de desculpas foi ineficiente. Com isso, a Netflix, que detém os direitos do filme em vários países, tirou a atriz da cantora, e parece querer que ela apareça o menos possível na temporada. Acho que nem no Oscar ela irá aparecer.
Aqui no Brasil, o filme foi alvo de muito ódio. Até porque é visto como o grande concorrente de Ainda Estou Aqui nos prêmios de filme estrangeiro. No México ele também se tornou bem impopular já que o diretor francês Jacques Audiard fez questão de injuriar não só o povo mexicano, como também as atrizes mexicanas. Dito isso, Emilia Perez caiu em desgraça. Dizer que gostou virou um problema. Mas, como eu sempre falo o que penso, devo dizer que gosto muito do filme, que estreia nessa quinta nos cinemas. É caótico, surpreendente, implausível. Entretanto me manteve atenta durante suas 2h12 minutos.
A história
Primeiro a história. Uma explorada, mas altamente qualificada, advogada mexicana chamada Rita (Zoe Saldana) trabalha numa firma focada em encobrir crimes ao invés de servir à justiça. Cansada dessa dinâmica e de estar desperdiçando seus talentos, Rita se depara um dia com uma proposta irrecusável que pode tirá-la dessa vida. Ela deverá ajudar o chefe de um cartel, Manitas (Karla Sofia Gascon), a se aposentar, sair de seu posto e desaparecer por definitivo. Juan tem mais um objetivo que envolve não só fugir das autoridades, mas afirmar sua verdadeira identidade: Emilia Pérez. Rita, então, ajuda-o em todo esse processo, garantindo que Emília possa finalmente viver seu mais autêntico e verdadeiro eu fora do radar. O problema começa quando Emilia decide que quer voltar para o México, para ficar com os filhos. Mas como explicar Emilia para a ex-mulher de Juan (Selena Gomez) ?
O que achei?
O filme é parte um suspense policial, um filme de ação, um musical, uma novela mexicana – tudo com um toque meio camp (especialmente o número da clínica de Bangkok). Garanto que, ame ou odeie, você nunca viu algo como ele. As músicas não são grande coisa, mas funcionam para embalar a história. E o roteiro desenvolve uma reviravolta depois da outra – e isso é uma reclamação de muita gente. A fotografia colorida tem um quê de Almodóvar, e há ainda um certo humor, especialmente no personagem de Emilia. Entretanto, Emilia mantém muito da violência de Manitas dentro de si, especialmente quando acontece algo que não lhe agrada.
As quatro atrizes – Zoe, Karla, Selena e Adriana – foram premiadas em Cannes e o filme levou o prêmio do Júri. Acho que as três estão ótimas (sim, Selena também!). Mas para mim ficou muito claro que a atriz principal do filme é Zoe Saldana. Ela aparece da primeira à última cena do filme. Tem o maior número de canções – e sua personagem é quem interage com todos a todo o momento. O filme ainda tem uma participação ótima de Adriana Paz como Epifânia. E confesso que demorei um pouco para reconhecer Edgar Ramirez (Gustavo).
E no final…
Não vou entrar na discussão sobre como o filme trata os mexicanos, ou as pessoas trans, porque não tenho conhecimento suficiente para julgar. E é claro que não acho que o filme mereça suas 13 indicações. Mesmo antes de toda a confusão dos tweets, minha opinião era de que Karla não merecia estar entre as cinco finalistas. Mesmo sem levar em conta o fato (outro escândalo) que usaram inteligência artificial para que ela conseguisse cantar algumas músicas. Eu realmente espero que Zoe Saldana não seja atingida por toda essa confusão. Ela merece o Oscar de coadjuvante. Quanto ao filme, talvez daqui a alguns anos ele será mais aceito. Ou ficará para a história por causa de todo esse escândalo.