No dia em que estreia na Netflix a nova série de Ryan Murphy, Ratched, achei interessante colocar aqui também esse texto de meu amigo José Augusto Paulo. Ele fez a crítica de Pose, também criada por Ryan Murphy, e também disponível na Netflix. Eu assisti a primeira temporada de Pose, mas acabei nunca escrevendo uma crítica. E ainda tenho que ver a segunda (que está na fila, rs). Mas o que achei extremamente interessante no texto abaixo é que a série envolveu profundamente José Augusto, muito mais do que a mim. Portanto, como adoro críticas apaixonadas, sugiro a você que dê uma olhadinha. Provavelmente vai ficar morrendo de vontade de ver a série. Afinal, essa história é um luxo!
Pose
Ryan Murphy é um dos criadores dessa série que me cativou pelas surpresas, e pelas excelentes atuações. Ainda também por saber apresentar um tema delicado, de uma minoria sujeita a muito preconceito, num formato que seja aceitável pela maioria. Alguns dizem que Ryan entrou no time de criação para se desculpar de certos momentos de claro preconceito em uma de suas primeiras séries, Nip Tuck.
A história começa em 1987, em uma Nova York um tanto diferente, e se centra na cultura dos ‘balls’ que existiam na cidade desde os anos 70. Era algo único e pouquíssimo conhecido na época. Ela teria um pouco mais de visibilidade quando Vogue de Madonna (que se refere tanto a uma forma de dança possivelmente criada por Paris Duprée nos anos 70 como, indiretamente, a revista famosa) ficou popular. Isso trouxe à luz expressões de uma minoria (transexuais) dentro de outra minoria (homossexuais), e isso em uma época antes de ser criado o termo LGBT. A série também tem muito a ver com a situação daqueles com AiDS na época e o início de campanhas, além da rebeldia contra a indiferença da maioria com a doença e os doentes.
O universo de Pose
Pose (uma das palavras que têm o mesmo sentido em português e em inglês) não tenta explicar como vive essa minoria, como convive com outros, etc. Não está querendo explicar-se, mas simplesmente mostrar um mundo que existia então e seguiu existindo. Acaba mostrando também outros aspectos da sociedade de Nova York da época (um dos personagens até trabalha numa empresa de Trump). Há o universo dos ‘balls’ (que aconteciam em antigos teatros e music halls e tinham concursos conforme mostrado na série). A série também descreve as ‘houses’ (uma co-habitação na qual uma pessoa se tornava a ‘mãe’ de um grupo, algo gerado por tantos membros desses grupos que foram expulsos de casa e assim passaram a ter um teto para morar , além de uma ‘família’). E, é claro, dos poucos trabalhos possíveis para quem estava vivendo aquela vida naquele momento.
Em suma, a sensação que se tem é a de observar estilos de vida que nem pensávamos existir. Parece que o fazemos por um microscópio ou pelo vidro espelhado. E a série, bem feita como é, nos deixa curiosos para saber o que acontecerá com cada personagem numa jornada nem sempre fácil.
E a produção?
É uma produção caprichada. Afinal, ela mostra glamour entre um grupo de pessoas de baixa renda, com poucas chances de subir na vida e ainda sujeitos a vários tipo de preconceito. É arte redobrada. Mostra os altos e baixos, a elegância e a breguice, conquistas e perdas em tons fortes. Por vezes, abusa do branco, nem sempre puramente branco. Alguns dos figurinos (e são muitos mesmo) devem ser a realização de seus criadores enquanto outros são criados para falhar. A fotografia apresenta tons sem muita suavidade, e bem ‘in your face’. A direção, competentíssima, mantém a história nos trilhos, mesmo quando muito acontece rapidamente e de um momento para o outro.
A atuação é excelente, vinda do fundo da alma, coração na manga, explícita, profunda, inteligente. Billy Porter (que chega a cantar em um dos episódios mais ternos) domina suas cenas como o mestre de cerimônias do ‘ball’. Dominique Jackson é quase uma fada má, mas com tanta elegancia, que nos fascina saber de onde ela tira tanto veneno. Mj Rodriguez é a fada boa, que quer acreditar em um futuro melhor, que vai à luta. Enfim, todos estão ótimos, inclusive a avessa Sandra Bernhard, que ganha muita simpatia com um personagem enxuto, correto. E especialmente onde seus palavrões finalmente fazem sentido.
Nao sugiro que se veja Pose, mas sim que se observe a série. Ela não pede para ser julgada. Somente para ter seus minutos de mostrar suas poses, e ‘voguear’, exatamente como vários dos personagens fazem no ‘ball’.