O diretor chileno Sebastián Lelio sabe como dirigir personagens femininos. É só lembrar das performances de Daniela Vega em Uma Mulher Fantástica. Ou especialmente Julianne Moore em Gloria Bell e Rachel McAdams em Desobediência (que eu adoro!). Agora ele consegue novamente mais uma atuação impecável de Florence Pugh em O Milagre, disponível na Netflix.
Já aviso que o filme não é fácil. Pode ser lento, mas é uma crítica voraz para aqueles que não medem esforços para que as coisas saiam do seu jeito. O filme se inspira no fenômeno do século 19 das “garotas em jejum” e foi adaptado do romance de Emma Donoghue (O Quarto de Jack). Na Irlanda de 1862, uma jovem parou de comer há quatro meses, mas permanece milagrosamente viva e bem. A enfermeira inglesa Lib Wright é levada a essa pequena vila para observar Anna O’Donnell, de onze anos, juntamente com uma freira. Um comitê quer saber se é um milagre ou uma enganação. O grande mistério gira em torno dessa aldeia, que pode estar abrigando uma santa. Ou mistérios mais sinistros do que parecem.
Toda hora, os homens do comitê dizem a Lib que ela só está lá para observar. Assim como a audiência, Lib tenta somente fazer isso. Mas, claramente, isso é impossível para ela. Ainda mais por situações de seu passado, que fazem com que ela sinta uma ligação materna com a garota. E a cada descoberta de Lib, a história fica ainda mais inacreditável. O ritmo pode ser lento, mas os momentos de revelação são sensacionais. É impossível não acompanhar com desespero cada revelação bombástica. A reação de Lib é também a nossa. Tudo isso fica ainda mais acentuado pelos tons acinzentados da fotografia. Parece um filme de terror, e de uma certa maneira, tem uma história aterrorizante.
Mas, claro, o impacto não seria o mesmo sem uma atuação sensacional de Florence Pugh. Ela é sempre ótima, mas aqui me lembra o impacto que tive quando a vi pela primeira vez em Lady Macbeth. Mas Florence não está sozinha nessa. A menina que faz Anna também é perfeita. Os olhares de Kila Lord Cassidy, sua inocência, envolvem totalmente. A atriz ótima que faz a mãe de Anna é Elaine Cassidy, que também é mãe de Kila Lord na vida real. E o filme ainda tem participações pequenas de atores sensacionais como Ciaran Hinds, Toby Jones e Brian F. O’Byrne. Todos ótimos, mas que você fica com vontade de ver mais na história.
A única coisa que me deixou desconcertada foi o prólogo e o final. Nele, o diretor mostra um set de filmagem atual. Uma voz de narração diz que trata-se de um filme, mas que os personagens acreditam em sua realidade. Me parece um tanto estranho, visto que é isso que se espera de um filme sempre. Até parece que ele não acredita na eficiência de sua própria história. Será que não entendi?